quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Violência em maternidades revela problemas na saúde pública


Por Rafaela Carvalho - rafaela.souza.carvalho@usp.br
Publicado em 8/outubro/2010

Uma pesquisa apresentada à Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) revela
que grávidas em trabalho de parto sofrem diversos maus tratos e
desrespeitos por parte dos profissionais de saúde nas maternidades
públicas. Segundo a análise, esse tipo de violência, além de apontar
para os problemas estruturais da saúde pública, revela a “erosão” da
qualidade ética das interações entre profissionais e pacientes, a
banalização do sofrimento e uma cultura institucional marcada por
estereótipos de classe e gênero.
Autora do trabalho, a psicóloga Janaína Marques de Aguiar explica que
essa violência acontece de diversas formas: negligência na assistência,
discriminação social e racial, gritos, ameaças, repreensão, piadas
jocosas, a não permissão de um acompanhante à escolha da paciente –
direito que é garantido por lei – e até mesmo a não utilização de
medicação para alívio da dor, quando for tecnicamente indicada. Muitas
vezes, esse tipo de violência acontece quando as pacientes manifestam o
seu sofrimento. “Elas já chegam ao atendimento público alertadas por
mães, irmãs ou vizinhas que quem grita sofre mais: é deixada para ser
atendida por último ou é maltratada.”

Para a realização desse trabalho, a psicóloga entrevistou 21 mulheres
que estavam no período de até três meses após o parto em três Unidades
Básicas de Saúde (UBS) de São Paulo, além de 18 profissionais da saúde
pública. A partir das entrevistas, Janaína constatou que a violência
institucional é banalizada e, portanto, invisibilizada por grande parte
dos profissionais, que nem sempre identificam esses desrespeitos e maus
tratos como uma forma de violência. “Muitas vezes, essas atitudes são
vistas como uma brincadeira ou como uma tentativa do médico de fazer com
que a paciente o escute.” A pesquisadora relata que é frequente o uso de
ameaças para que a paciente não grite e não faça escândalo. “São comuns
frases do tipo: ‘Está chorando/gritando por quê? Na hora de fazer não
chorou/gritou.’ Esse jargão é bastante comum e aponta para a crença,
ainda frequente nos dias de hoje, de que a dor do parto é o preço a ser
pago pelo prazer sexual”, diz a pesquisadora.
Além disso, muitos dos profissionais entrevistados ressaltam a falta de
anestesistas de plantão para analgesias de parto normal. A situação
também é um flagrante da precariedade do sistema e de uma cultura
institucional que ainda negligencia a humanização da assistência.

Janaína ressalta que a violência acontece porque o outro é tomado como
um objeto de intervenção e não como um sujeito. “A complexidade desse
tema envolve desde a precarização do sistema público de saúde até a
própria formação dos profissionais, que muitas vezes não é voltada para
uma humanização da assistência”, explica.
Como pano de fundo da violência institucional está a ruptura na
comunicação, no diálogo entre profissionais e pacientes. Omitir
informações, não informar sobre os procedimentos realizados, não
negociar com a paciente a realização desses procedimentos, viola os seus
direitos e nega sua autonomia. Isso pode gerar maior estresse para a
mulher que está sendo atendida, dificultando uma comunicação eficaz.

Janaína ressalta ainda que mesmo em um contexto de dificuldades
estruturais, com falta de recursos humanos e materiais, com alta demanda
de atendimentos em pouco tempo, muitos profissionais conseguem dar uma
assistência humanizada para suas pacientes. “Há, portanto,
possibilidades de uma assistência sem violência. Mas é preciso
reconhecer que essa violência existe, saber como e por que ela acontece
para que se possa combatê-la.”

A tese de doutorado Violência institucional em maternidades públicas:
hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero,
financiada por bolsa Fapesp, foi apresentada ao Departamento de Medicina
Preventiva da FMUSP e orientada pela professora Ana Flavia Pires Lucas
D’Oliveira.

Mais informações: email jamaragui@usp.br
Link: http://www.usp.br/agen/?p=36706

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