quarta-feira, 29 de julho de 2009

Um político, uma farsa

Jânio Lopo

Quando se trata de opinar sobre o caso José Sarney, noto a preocupação da elite brasileira – à frente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – em não atacá-lo frontalmente. Essa classe de privilegiados tem tido o cuidado de recomendar o estudo da biografia do acusado antes de mandá-lo à fogueira. Seria até uma atitude louvável das chamadas cabeças coroadas deste país não querer melindrar os personagens cuja história pessoal e política enriqueceram (falo no bom sentido) as páginas heróicas do Brasil. No entanto, sejamos claros e objetivos: o que devemos a Sarney? Qual a sua contribuição efetiva para que tivéssemos um passado digno e reconhecidamente de conquistas internas e externas? Não somos, verdadeiramente, uma Nação séria. Se fôssemos, não deixaríamos que figura como ele alcançasse os primeiros degraus da vida pública de Pindorama. Sarney é uma farsa. Um engodo.

Falo do ponto de vista das ações práticas. Seu passado e seu presente não o deixam mentir nem tampouco esconder o que representou e o que representa para o conjunto da nossa sociedade. Estamos falando de um homem que serviu à ditadura. Foi um dos seus principais porta-vozes. Graças aos tempos nebulosos comandados pelos militares, Sarney transformou-se num dos maiores e mais temidos coronéis do Nordeste. Acumula uma fortuna cuja origem é duvidosa.

O dono da Maranhão, como é conhecido nacionalmente, caiu de para-quedas na Presidência da República graças à inesperada morte de Tancredo Neves, eleito pelo Congresso Nacional. Sua passagem pelo cargo foi desastrosa. Experimentamos uma fase de inflação de praticamente 100 por cento ao mês. Às vésperas das eleições legislativas, o famigerado Plano Sarney zerou artificialmente os índices inflacionários, que explodiram dramaticamente após o pleito em que seu partido, o PMDB, fez todos os governadores dos estados brasileiros, com a exceção de Sergipe, onde venceu o PDS.

Sarney sempre foi um comandado dos grandes grupos econômicos. Era um fantoche nas mãos do seu escudeiro, amigo e ministro das Comunicações à época, Antonio Carlos Magalhães. Não satisfeito com a capitania maranhense, cujo eleitorado já dava sinais de querer livrar-se do donatário, invade o Amapá, tornando-se seu proprietário e por onde elegeu-se pela segunda ou terceira vez senador da República. É essa, em resumo, a sua biografia. Aliás, ia esquecendo: Sarney imortalizou-se ao ingressar (Deus sabe como) na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Irritante é saber que nossos intelectuais ainda não levantaram a voz para condená-lo pelos escândalos que protagoniza hoje (e no passado) no Congresso Nacional. O Sarney de ontem é igualzinho ao Sarney de hoje. Sarney dos conchavos na calada da noite, Sarney dos atos secretos, Sarney preocupado em bons cargos públicos para a família e apaniguados. Que tipo de biografia é essa que temos de reverenciar ou levar em consideração como sugere Lula?

Estamos diante de um estelionato político. Já disse e repito: a esta altura não basta tirar-lhe da presidência do Senado. É imprescindível a cassação do seu mandato enquanto senador e a suspensão, por tempo indeterminado, dos seus direitos políticos, evitando, assim, que ele retorne à vida pública. Só queremos justiça e mais nada. No entanto, como este é um país injusto e desigual por conta dos sarneys que mandam e desmandam nos destinos dos mais fracos e desprotegidos, nem isso (justiça) podemos esperar."

Quando o consumismo é doença

Eles inventaram a palavra marketing. Foram os primeiros a criar cursos de publicidade e a oferecer prêmios para os maiores vendedores. Vivem no país mais consumista do mundo. E, pasmem, năo aguentam mais o assédio da propaganda. O desconforto crescente dos americanos contra a avalanche de telefonemas oferecendo produtos e serviços levou o presidente George W. Bush a declarar guerra. Depois do Afeganistăo e do Iraque, o próximo alvo da sanha bélica do presidente dos Estados Unidos é o... telemarketing.
Foi criado este mês um cadastro nacional contra ligaçơes. Pelo número 1-888-382-1222 ou pela internet ( www.donotcall.gov ) os consumidores que queiram impedir ligaçơes de operadoras de telemarketing poderăo se inscrever gratuitamente. O cadastro năo incluirá as chamadas de políticos, religiosos e organizaçơes filantrópicas. A partir do dia primeiro de outubro, as operadoras que ligarem para os consumidores inscritos no cadastro pagarăo multa no valor de onze mil dólares.
Esta nova lei é apenas um exemplo de como o estilo de vida consumista está sendo cada vez mais questionado em solo americano. No relatório "Perspectivas sobre a Criança e a Mídia", produzido pela Unesco no ano 2000, os pesquisadores advertem que as crianças săo as maiores vítimas dessa overdose de propaganda. O estudo revela que as empresas americanas destinam aproximadamente 12 bilhơes de dólares por ano com anúncios para crianças. Alguém poderá perguntar: por que gastar tudo isso com o público infantil? A resposta virá em números: atualmente as crianças americanas influenciam compras que totalizam 500 bilhơes de dólares. Indefesas diante dos inúmeros recursos utilizados pela publicidade para estimular o consumo - manipulaçăo de sons, imagens e arquétipos que agem sobre o inconsciente - as crianças padecem horrores.
Segundo os pesquisadores da UNESCO, um dos males decorrentes do consumismo infantil é a obesidade, uma doença que já é considerada problema de saúde pública nos Estados Unidos. Os comerciais de doces, biscoitos, guloseimas e redes de fast food que recorrem aos truques da animaçăo gráfica ou ao auxílio luxuoso dos super-heróis da TV - que aparecem bem na funçăo de garotos-propaganda - hipnotizam a garotada.
Um outro problema denunciado no relatório é o stress familiar. Quando quem sustenta a casa é obrigado a dizer "năo" a um apelo consumista que parte do filho, da filha, do companheiro ou companheira, o resultado costuma ser desgastante. Brigas, conflitos, disputas e eventualmente, um desejo tăo grande de ter aquilo que a propaganda exibe, que năo se medem esforços - ou escrúpulos - para alcançar o objetivo. Daí para os pequenos roubos e furtos pode ser um pulo.
A banalizaçăo do consumo remete a um questionamento sobre o papel da mídia na sociedade moderna. Nos primórdios da publicidade, os profissionais do ramo se preocupavam apenas em explicar o que era e para que servia um determinado produto. Hoje, isso mudou bastante, como explica Rolf Jensen, autor do livro, The Dream Society (A sociedade do sonho) : "Os produtos no futuro deverăo apelar para os nossos corações e năo para nossas cabeças. Quando isso acontecer, o modelo que prevalecerá năo será mais o da Sociedade da Informaçăo, mas o da Sociedade dos Sonhos".

O urso canta para Mogli: "O extraordinário é demais"

Há algo de inquietante nessa previsăo. É difícil imaginar um mundo de sonhos, num planeta onde a publicidade alcança indistintamente ricos e pobres (muito mais pobres do que ricos), que săo seduzidos pelos mesmos apelos vorazes de consumo, mas năo respondem da mesma maneira a esses apelos. Em resumo: quem tem dinheiro banca o "sonho", quem năo tem, lida com o fracasso, com a frustraçăo, e com a angústia de viver numa sociedade de consumo que privilegia năo o que se é, mas o que se tem.
Para piorar a situaçăo, mesmo quem tem cacife para bancar o "sonho", muitas vezes mergulha no pesadelo de năo conseguir preencher o vazio existencial que continua incomodando mesmo com a carteira recheada de dinheiro, cartões de crédito e talões de cheque.
A doença do consumismo tem nome e preocupa as autoridades na área de saúde do Brasil: chama-se oneomania, ou consumo compulsivo. Segundo dados do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de Săo Paulo, três em cada dez brasileiros, a maioria mulheres, compram compulsivamente. É gente que usufrui apenas o momento da compra, mas năo o produto, que muitas vezes é deixado de lado sem utilidade alguma. A baixa estima e o sentimento de vazio săo constantes. Depois da compra vem a sensaçăo de culpa.
Em uma ótima reportagem sobre o assunto publicada no jornal "O Estado de Minas", a psiquiatra e psicoterapeuta Ana Ester Nogueira Pinto explica: "Uma pessoa normal tem o impulso mas é capaz de resistir. O compulsivo gasta sempre mais do que pode, se prejudicando financeiramente. Normalmente as dívidas dos doentes chegam a cinco ou dez vezes mais do que a renda mensal". Os consumidores compulsivos săo em sua maioria pessoas angustiadas ou ansiosas que tentam preencher os sufocar essa sensaçăo através da compulsăo. O tratamento psicológico é acompanhado do uso de antidepressivos e ansiolíticos. O gerente do Procon em Belo Horizonte, Bruno Burgarelli, denuncia na reportagem a falta de clareza nas informaçơes sobre compras parceladas e os juros das prestaçơes. " A publicidade enganosa e abusiva acaba induzindo ao erro, seja por açăo ou omissăo". Vem da terra do Tio Sam - templo sagrado do consumismo - uma bela liçăo em forma de música. Na trilha sonora do desenho animado "Mogli - o menino lobo" (Disney, 1967), o urso Baloo, responsável pela educaçăo de Mogli numa selva repleta de predadores, cantarolava a música "Bare Necessites", que trazia o seguinte refrăo traduzido assim para o português : "Necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais". Vivemos num planeta que oferece o necessário para todos. Se ainda assim năo conseguimos ser felizes, talvez a culpa seja nossa.

André Trigueiro, jornalista, é redator e apresentador do Jornal das Dez, da Globonews, desde 1996. Na Rádio Viva Rio AM ( 1180 kwz ), Trigueiro apresenta o programa Conexăo Verde, de segunda a sexta. Nele, aborda temas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. O jornalista é pós-graduado em Meio Ambiente pela MEB COPPE/UFRJ (2001).Artigo publicado originalmente em Eco Pop