sábado, 31 de março de 2012

Quando é prostituta não é estupro?!



No último dia 27, O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) inocentou um homem que estuprou três meninas de 12 anos. O argumento (pasmem!!) é de que as crianças eram prostitutas, se dedicavam a atividades sexuais desde longa data. Quem pronunciou o voto foi a ministra do STJ, Márcia Maria Moura.

Imediatamente à decisão do STJ, diversas organizações feministas e de mulheres, entre elas a Rede Mulher e Mídia, se mobilizaram para externar indignação e repúdio em relação a decisão absurda e que, como afirmou em seu blog a companheira Sulamita Esteliam, rasga o Código Penal, a Lei Maria da Penha e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A campanha Ponto Final na Violência contra Mulheres e Meninas no Brasil também divulgou nota de repúdio. A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, acionou a Procuradoria Geral da República e a Advocacia Geral da União para reverter a situação.

Leia abaixo o manifesto de repúdio da Rede Mulher e Mídia e outras organizações sobre a decisão do Supremo Tribunal de Justiça:

Manifestação de Repúdio da Rede Mulher e Mídia e outras entidades – Não à violência sexual contra meninas e mulheres!

As organizações abaixo assinadas, vêm a público manifestar repúdio e indignação em relação à decisão do Superior Tribunal de Justiça recentemente publicizada, que absolveu o acusado de estuprar três meninas de 12 anos de idade.

A decisão da corte superior confirmou o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, apresentando como justificativas para inocentar o réu, tais quais:

“Com efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado, verdadeiramente, o bem jurídico tutelado – a liberdade sexual –, haja vista constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum tempo”.
A decisão do STJ confirma a do tribunal de Justiça de São Paulo, repetindo as suas fundamentações: “A prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado". (TJ/SP)

Importa lembrar que para a configuração do crime de estupro pouco importa eventuais percepções morais sobre a vida sexual das vítimas. O que caracteriza esse crime é eminentemente o não consentimento da vítima com o ato sexual. Nesse sentido, aplicando esta lógica, qualquer menina ou mulher poderia ser estuprada, independentemente do fato de ser casada ou solteira, ter vida sexual ativa ou não, estar envolvida com a prostituição ou não.

Nesse sentido, as justificativas dos magistrados remontam a um tempo em que as mulheres não tinham direito ou autonomia sobre seu corpo. As mulheres brasileiras não se sentem representadas por estes magistrados, ao revés, repudiam essas manifestações machistas, perversas e discriminatórias que colocam os direitos humanos de meninas e mulheres em risco, ao invés de garanti-los.

Além disso, a lei é clara com relação a menores, caracterizadas como vulneráveis, no texto que segue:

“Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Por fim, a decisão também ofende a normativa constitucional e infra-constitucional que prevê a garantia da proteção integral de crianças e adolescentes como responsabilidade de todos: família, sociedade e Estado (art. 227 da Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente). Crianças e adolescentes encontram-se em peculiar processo de desenvolvimento físico mental e psíquico que precisa ser protegido

Assim, o discurso e a lógica utilizada pelos magistrados do Superior Tribunal de Justiça, responsabilizando as vítimas pela violência sofrida, é absolutamente inaceitável e não pode prevalecer nas cortes do país, em especial em uma de suas mais altas instâncias. Esperamos que este posicionamento seja revisto e que justiça seja feita."

segunda-feira, 5 de março de 2012

Feminicidios: a palavra de ordem é reagir!



Por Mabel Dias

No próximo dia 12, segunda-feira, faz um mês que a recepcionista Michele Domingues da Silva e a professora Isabella Pajussara Monteiro foram brutalmente assassinadas e mais cinco mulheres foram estupradas por um grupo formado por dez homens, na cidade de Queimadas, interior da Paraíba.


Não só a Paraíba, mas o Brasil ficou chocado, revoltado, atônito diante de tamanha violência, arquitetada friamente pelos irmãos Eduardo e Luciano dos Santos Pereira. Era aniversário de Luciano e como presente, ele pediu ao irmão que providenciasse os estupros!! O “alvo” principal seria a professora Isabella Pajussara. Todos foram presos e lá ficarão até o julgamento.


A violência contra a mulher vem avançando assustadoramente na Paraíba. Este ódio às mulheres que aconteceu em Queimadas reflete bem o quanto nosso corpo tem sido violado e visto pelos homens como propriedade, o que os faz pensar que “pode” ser usado da maneira que eles bem entenderem. Ao passo que avançamos na luta por nossos direitos, a sociedade regride quando acontecem casos como este, que mostra o quanto nós não estamos seguras. E mais uma vez o crime de Queimadas mostra que aqueles que cometem os crimes contra as mulheres são homens próximos a elas. Eduardo Pereira foi casado com uma das irmãs de Isabella Pajussara.


Apesar de ainda não ter sido colocada em prática na sua totalidade, a Lei Maria da Penha é um dos principais aliados de nós mulheres para barrar a violência. E a Paraíba, que até janeiro não contava com um Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar, passou a ter este importante mecanismo, previsto na Lei Maria da Penha.


Estamos na semana do 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Se formos fazer um balanço, tivemos conquistas e perdas. E ainda temos muito a lutar, gritar, exigir respeito e dignidade, deixando bem claro que o corpo da mulher é dela! Vejam só: estamos falando o que nem precisaria ser dito: nosso corpo é nosso! Não importa qual seja sua profissão ou que roupa esteja vestindo, nada justifica a violência contra a mulher. Não seria necessário, mas ainda precisamos dizer frases como esta, pois continuamos sobrevivendo em uma sociedade machista e misógina. As mortes de esposas, namoradas, amigas não são crimes passionais, são feminicídios. Morremos por causa de nosso gênero. Em Ciudad Juarez, no México, milhares de mulheres foram seqüestradas e mortas. Crimes que nunca foram solucionados. E assim como no México, no Brasil somos violentadas a cada minuto, não importa onde nem que horas são.


De acordo com o relatório da organização Small Arms Survey, o Brasil está entre os 25 países com maior taxa de assassinato de mulheres. El Salvador é o país com mais feminicídios: cerca de 66 mil mulheres são mortas por ano no mundo, a maioria com arma de fogo. Segundo o estudo da Small Arms Survey, em torno de 66 mil mulheres são assassinadas a cada ano, 17% das quais são vítimas de homicídios intencionais. O relatório "Feminicídio: Um Problema Global" analisou os dados de assassinatos de mulheres em nível mundial de 2004 a 2009 e concluiu que a porcentagem de feminicídios é "significativamente maior nos territórios com altos níveis de homicídios".


No dia 08 de março, movimentos feministas da Paraíba vão realizar pela manhã um ato político no Centro de João Pessoa para reivindicar políticas públicas e denunciar o crimes contra as mulheres. O lema principal é Nosso Corpo, Nosso Território! Precisaremos ecoar nossa voz por todos os lugares, sempre! E no dia 12 de março, haverá outro ato político, na cidade de Queimadas para que nunca esqueçamos de Michele e Isabella, e das demais companheiras que sofreram violência sexual.


“Desde sempre o corpo está no centro de toda relação de poder. Mas, o corpo das mulheres é o centro, de maneira imediata e específica. Sua aparência, sua beleza, suas formas, suas roupas, seus gestos, sua maneira de andar, de olhar, de falar e de rir (...) são o objeto de uma perpétua suspeita. Suspeita que visa seu sexo, vulcão da terra. Enclausurá-la seria a melhor solução: um espaço fechado e controlado ou no mínimo sob um véu que mascara sua chama incendiária. Toda mulher em liberdade é um perigo". (Michelle Perrot)