Por Nilcéia Freire
A discussão sobre o aborto no país e a primazia das mulheres em tomarem a
decisão sobre sua realização foi, desde sempre, revestida de grande
simbolismo posto que confronta a sociedade com temas "intocáveis", como o
início da vida humana e a "propriedade" sobre os corpos femininos.
Nos
últimos anos e, especialmente a partir da I e da II Conferências
Nacionais de Políticas para as Mulheres, o tratamento do tema ganhou
novos contornos. A aprovação da resolução que demandava ao governo
brasileiro iniciativas que viessem a rever, no sentido
descriminalizante, a legislação brasileira, inseriu a questão do aborto
no campo de discussão das políticas públicas, mais especificamente, no
âmbito da saúde pública.
Por outro lado, vale registrar que no
Brasil, seguindo uma tendência mundial, houve no mesmo período um
acentuado crescimento e/ou explicitação de posições conservadoras quanto
ao tema, por parte de diferentes grupamentos religiosos que ampliaram sua força política no Congresso Nacional.
Na
sociedade brasileira, apesar da legislação restritiva e criminalizante,
a prática clandestina do aborto ocorre em escala que coloca em risco a
vida de milhares de mulheres, sobretudo nos extratos de renda mais
baixos da população, configurando-se, desta maneira, como a quarta causa
de morte materna no Brasil.
Estima-se que, em 2005 (1), para
cada 100 nascidos vivos ocorreram 30 abortos realizados em condições
inseguras e precárias. Em termos de mortalidade materna, se
aprofundarmos as estatísticas, considerando os aspectos socioeconômicos,
verificamos que as maiores vítimas são mulheres negras e pobres. A
desagregação dos dados em relação ao quesito raça e cor elucida parte da
desigualdade étnico-social entre as brasileiras: das mortes maternas
causadas pelo aborto em 2004, aproximadamente 9% eram mulheres brancas e
20% eram negras (2).
Em 2009, foi apresentado um estudo financiado pelo Ministério da Saúde, "20 anos de
pesquisa sobre o aborto no Brasil", coordenado por Débora Diniz e
Marilena Corrêa, em que se revela o perfil das mulheres que realizam o
aborto no Brasil, concluindo-se que são, predominantemente, mulheres
entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo,
trabalhadoras e católicas. Os resultados da pesquisa põem por terra o
estereótipo de que somente mulheres "irresponsáveis" e "inconsequentes"
recorrem ao aborto como solução para o problema da gravidez indesejada e
o reposiciona como opção, via de regra difícil, de mulheres e, porque
não dizer, de homens, que por diferentes razões vivenciam essa
contingência de vida.
Independentemente das condições econômicas,
sociais, de escolaridade, entre outras, em que se encontram essas
mulheres, a criminalização da prática do aborto as iguala sonegando-lhes
o direito à saúde e impondo-lhes as consequências no campo
psíquico e social de uma gravidez não desejada.
As mulheres que
recorrem ao aborto inseguro ou clandestino ficam expostas ao risco dos
agravos a sua saúde e até a morte, além do sofrimento moral de um
processo judicial que pode levar à condenação. O caso das dez mil
mulheres de Mato Grosso do Sul é exemplar no sentido de demonstrar as
possíveis consequências de uma legislação tão anacrônica quanto injusta.
Ao
avaliar o VI Relatório Nacional Brasileiro, o Comitê de Eliminação da
Discriminação contra Mulheres das Nações Unidas, recomendou, juntamente
com outras medidas, que o país proceda à revisão da legislação, com
vistas à descriminalização do aborto, e que prossiga com seus esforços
para aumentar o acesso das mulheres à assistência à saúde, em particular
aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, o que inclui a assistência
aos casos e às complicações decorrentes de abortos não seguros. Tal
recomendação se
fundamenta nos dados sobre morte materna em consequência de abortamento
inseguro.
As recomendações do Comitê revalidam e reforçam os
compromissos assumidos pelo país em diferentes instrumentos
internacionais, por meio dos quais se reconhece que a exposição aos
riscos de um abortamento inseguro implica em violação dos direitos
humanos de meninas e mulheres, a exemplo da Declaração de Viena, de
1993, e que direitos sexuais e reprodutivos são direitos humanos,
conforme a definição resultante da IV Conferência Mundial sobre a
Mulher, em Pequim, em 1995. O compromisso do Estado brasileiro expresso
nesses instrumentos é claro no sentido da abordagem do aborto como
problema de saúde pública e da necessidade de rever a legislação
restritiva e punitiva sobre o tema.
Urge, portanto, aprofundar o
debate entre nós com a delicadeza que o assunto merece e com a
consciência da polêmica que desperta. Sendo partícipe da Convenção sobre
a Elimi
nação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, o Estado
brasileiro deve garantir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres
brasileiras através da discussão livre e informada.
Para isso, é
imprescindível superar os paradigmas estigmatizantes do machismo e do
sexismo que obstaculizam a verdadeira promoção da igualdade entre homens
e mulheres e avançar rumo a uma sociedade garantidora da totalidade dos
direitos humanos.
Urge enfrentar o debate sobre o aborto com a
consciência da proporção de seus impactos na vida das mulheres. E aqui,
cabe lembrar o julgamento da Ação de Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 54 sobre a interrupção de gestações de fetos
anencéfalos que, felizmente, teve parecer favorável do Supremo Tribunal
Federal.
Ainda que delicada e difícil a discussão sobre o tema, o
aborto está, mais do que nunca, em pauta e à sociedade brasileira, e em
especial às mulheres, cabe decidir sobre qual devem ser os próximos passos.
Nilcéa
Freire é médica e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ). Foi ministra da Secretaria Especial de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República (2004-2010). Texto publicado na edição de abril/junho 2012 da Revista Ciência e Cultura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Adesse, L.; Monteiro, M.F.G.. In: Ipas Brasil. Disponível em: http://www.ipas.org.br/arquivos/factsh_mag.pdf (acesso em 2/2/10)
2.
Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa.
Painel de Indicadores do SUS. Vol.1, 2008. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/ arquivos/pdf/painel_%20indicadores_do_SUS.pdf (acesso em 2/2/10).
Bom, o Brasil piorou muito. Com o vigarismo da religião cujo nome é Petismo. Favoreceu bastante os bancos.
ResponderExcluirMas há algo mais. Eis:
Necessitamos muito de bons hospitais. E escolas boas para os curumins.
Precisamos de alta-cultura. Alta literatura; Kafka, Drummond, Dostoievski, Machado de Assis, Aluísio Azevedo do Maranhão. De arte autônoma. E educação verdadeira nas escolas dos pequenos. O que não houve.
O Brasil vive consequência de nosso passado político bem atual (2 décadas).
Fome, falta de moraria, atraso, breguices, escolas ruins, falta de hospitais: concreto…
O resto são frasinhas® poderosas:
Eis aí a pura e profunda realidade sociológica e filosófica:
A “Copa das Copas®” do PT® em vez de se construir hospitais, construiu-se prédios inúteis! A Copa das Copas®, do PT© e de lula©.
Nada se fez em 13 anos para esse mal brasileiro horroroso. Apenas propagandas e propagandas e publicidade. Frasinhas.
Qual o poder constante da propaganda ininterrupta do PT®?
Apenas um frio slogan, o LUGAR DE FALA do Petismo® (tal qual “Danoninho© Vale por Um Bifinho”/Ou: “Skol®: a Cerveja que desce Redondo”/Ainda: “Fiat® Touro: Brutalmente Lindo”). Apenas signos dessubstancializados. Sem corporeidade.
Aqui a superficialidade do PETISMO®:
Signos descorporificados. Sem substância. Não tem nada a ver com um projeto de Nação. Propaganda:
Nem tudo que é legal é honesto. O PT® nos induz ao engodo com facilidade.
O PT é brega, cafona, barango e o Kitsch político. Além de ser truculento e falso. Utilizar de tudo quanto é artimanha publicitária para enganar as pessoas constantemente, eis aí o jeitão petista de ser (não é durante eleição não. É sempre o ano todo!).