segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O espiritismo, o aborto e o direito das mulheres

Por Mabel Dias



Nos últimos meses tem acontecido um “boom” de filmes espíritas no Brasil. O primeiro desta leva, se não me engano, foi “Chico Xavier”; depois vieram “Nosso Lar”, “As Mães de Chico” e agora o mais recente “O Filme dos Espíritos”, baseado no livro dos Espíritos de Allan Kardec. Neste último, a história perpassa a vida de um casal jovem, que decide realizar um aborto. Pouco tempo depois, a mulher morre, em conseqüência de um câncer, e o seu marido torna-se alcoólatra. Ele pensa em suicídio, e neste momento, um gari lhe aparece e lhe dá de presente o Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. A partir daí, ele busca entender porque sua esposa morreu tão jovem, lê o livro de cabo a rabo, e procura seu antigo professor de psiquiatria, Levi, vivido pelo ator Nelson Xavier, que também fez o papel do médium Chico Xavier em dois destes filmes, para poder entender porque tudo isto está acontecendo em sua vida. Por causa do alcoolismo, o rapaz é demitido do trabalho.

Nas conversas que tem com seu antigo professor, o jovem psicólogo Bruno, discute sobre o porque algumas pessoas nascem com deficiências e outras não, e sobre o porque o aborto é considerado crime. Nestas conversas, ele sente vontade de participar uma mesa branca – onde os médiuns “recebem” os espíritos dos mortos. Um dos médiuns incorpora um espírito, que diz ser o feto abortado por Bruno e sua esposa, e que se vingou da mulher que o abortou e agora quer se vingar de Bruno.

Através de uma regressão, o espírito consegue enxergar que antes de ser um feto, havia matado um homem, em 1943, em Cajazeiras, na Paraíba. A esposa deste homem assassinado reencarnou na namorada de Bruno, que morreu vítima de um câncer. Moral da história: o feto abortado não nasceu, ou seja, reencarnou porque tinha sido um assassino em outra vida. Em alguns trechos do livro, Allan Kardec condena veementemente o aborto, dizendo ser crime aquele que o pratica.

No filme “As mães de Chico”, outra jovem mulher decide realizar um aborto, pois se vê abandonada pelo namorado e não se sente preparada para ser mãe. O namorado morre em um acidente, ela procura Chico Xavier, que diz que o espírito de seu namorado a ama, deseja o filho e que ela deve tê-lo, mesmo sozinha (?) O tema do aborto no filme As mães de Chico é tratado de uma maneira mais punitiva. No Filme dos Espíritos, apesar de em algumas cenas que mostram trechos do livro de Allan Kardec, condenando aquele que o faz, colocando-o como crime, não há nenhuma fala direta dos personagens sobre culpa ou punição em relação à mulher ou ao casal que decida realizar um aborto. Porém, a cena da reencarnação do feto é muito forte, e com certeza para alguma mulher que em algum momento de sua vida decidiu realizar um aborto bate um sentimento de culpa e mal-estar. Seria esta a intenção?

Sabemos que os espíritas são contra o aborto. Aliás, o aborto não é uma decisão fácil para a mulher que o faz. Mas ele é uma realidade. As mulheres pobres o fazem sem nenhuma assistência e morrem. As mulheres ricas o fazem, em clinicas com toda assistência, e podem voltar para casa no mesmo dia. O que todas querem é respeito e repouso.

Ao investir na produção de filmes religiosos, os espíritas tiveram uma grande sacada, pois tem conseguido atrair espectadores aos cinemas e assim difundir seus ensinamentos cristãos. O tema do aborto tem se tornado uma constante neste gênero de filme e nos faz refletir que tal atitude não é à toa. Num momento em que o movimento feminista e de mulheres enfrenta uma verdadeira batalha no Congresso Nacional para que os direitos das mulheres não tenham retrocesso, os espíritas investem maciçamente na indústria cinematográfica, e tocam principalmente numa questão tão cara as mulheres, o aborto. Diante disto, podemos perguntar: a produção de filmes espíritas, que tem tocado tão frequentemente no tema do aborto, estaria relacionada com a bancada religiosa do Congresso Nacional (católicos, evangélicos, espíritas)?

Um comentário:

  1. mabel: acredito que foi "bezerra de menezes", filme cearense, o primeiro a iniciar essa onda de filmes com temática espírita, aqui no brasil. muito difícil esse problema do aborto,viu? seja qual for o ângulo que se enfoque.

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