sábado, 27 de novembro de 2010

Capitalismo e mídia de mãos dadas


“Imprensa e capitalismo são pares gêmeos. Dificilmente pode-se imaginar a atividade jornalística, nascida no núcleo e dentro da lógica do modo de produção capitalista, como algo muito distinto dele. Ela só existe – pelo menos nos termos que conhecemos hoje – transformando informações em mercadorias e colocando-as, transformadas, alteradas, às vezes mutiladas, segundo as orientações ideológico-políticas de seus artífices, à venda.”
Esta é a definição do jornalista Ciro Marcondes Filho em relação ao surgimento da imprensa e a evolução do capitalismo. E ela parece encaixar-se bem na atual produção de jornais tidos como populares, e que trazem uma mistura perigosa de violência exacerbada e o uso do corpo da mulher para atrair leitores, com o objetivo de vender o produto. E parece ser esta a combinação que faz parte da produção do Jornal JÁ, que está circulando em João Pessoa nos últimos meses.
A edição do JÁ desta sexta, dia 26, traz como manchete o caso de violência sexual sofrido por uma adolescente, da cidade de Guarabira (PB), que está grávida do próprio pai. A manchete diz: “Garotinha pode estar grávida do pai”. Quando produzimos uma noticia, além da preocupação de informar de maneira correta, com os fatos bem apurados, precisamos ter cuidado com o que estamos reproduzindo, escrevendo, pois estamos formando opiniões, repassando informações que são tidas como verdade pela população. O titulo dado à matéria foi bastante infeliz. O termo “garotinha” traz uma conotação pejorativa em relação à gravidade do fato e menospreza o acontecimento. Vê-se que apenas um “chama” ao leitor para comprar o jornal. Mercado!
Um fato como este, que gerará conseqüências para esta menina e para o bebê que ela espera, e ao mesmo tempo será sua irmã e filha, é algo muito sério e que a mídia precisa ter responsabilidade quando veicula, pois se trata da vida – e não uma mercadoria - de uma adolescente, que com apenas 10 anos de idade começou a ser violentada pelo pai, seguindo-se a violência até os dias de hoje, quando ela tem 13 anos. Enquanto comunicadores sociais, regidos por um código de ética, não podemos simplesmente esquecer nossos princípios éticos e humanos com o intuito de divulgar tal acontecimento de maneira jocosa, com o único objetivo de atrair leitores e assim vender aquele produto, agradando aos nossos patrões para receber o salário no fim do mês. Seria melhor que provocássemos a sociedade e a nós mesmas/os, fazendo-nos refletir e buscando soluções para acabar com a violência alarmante que atinge quase que diariamente meninas e mulheres. Se não somos a solução do problema, fazemos parte dele.
Sabemos que no interior do Nordeste, e porque não do Brasil, infelizmente, é prática comum a violência contra meninas, praticada pelo pai ou algum outro homem da família. Estas meninas, geralmente, acabam engravidando e enfrentando diversas dificuldades, tanto psicológicas quanto físicas. Quem não se lembra da menina pernambucana de apenas 09 anos de idade que também foi violentada pelo pai e acabou engravidando? Devido a sua idade, a mãe entrou com um pedido no Judiciário para que ela pudesse fazer um aborto, visto que sua gravidez era de risco. O caso ganhou grande repercussão na imprensa.
Diante de tantos casos de agressão à infância, a mídia não pode simplesmente se preocupar com a mercadoria -notícia e ainda por cima, fazê-la de maneira que fira os direitos humanos de meninas e mulheres. Já somos violentadas por esta sociedade machista, por este feminicidio cotidiano, que a própria mídia noticia. Sendo assim, não deve reproduzir o patriarcado, agindo de maneira conivente com tamanhos abusos.

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