segunda-feira, 14 de junho de 2010

O crime caledoscópio





Miriam Flores foi encontrada morta, com um tiro na nuca e um dólar na boca. Seu assassinato foi vinculado às redes de trata, mas existem outras hipóteses. Em qualquer caso, se trata de um feminicídio que deve ser esclarecido.

Por Flor Monfort

Em 1º de junho um peão encontrou o cadáver de Miriam Flores, uma mulher paraguaia de 25 anos que foi procurada durante um mês, desde que seus patrões do asilo Los Alelíes de Neuquén denunciaram seu desaparecimento. Estava no costado da rua 152, próxima da Casa de Piedra, na província de La Pampa, coberta com escombros e vestida com a mesma roupa com que a viram pela última vez. A autopsia revelou que tinha um tiro na nuca, foi assassinada a golpes e tinha uma nota de um dólar na boca.
Se o corpo fala, como dizem os advogados, o corpo de Miriam Flores disse tantas coisas que desorientam quem vem acompanhando o caso, que todavía não está em uma jurisdição definitiva no La Pampa o Neuquén. A distância do lugar onde Miriam vivia e a certeza e localização do disparo podiam sugerir um crime mafioso, um ajuste de contas ou uma mensagem para outras pessoas; o caso foi rapidamente relacionado com as redes de trata de mulheres, quando o subchefe policial de La Pampa, Juan Domingo Pérez, revelou que Flores havia sido prostituta e que havia decidido deixar esta atividade há três anos, quando, segundo suas palavras, escapou de um prostíbulo com outra mulher. Mas nenhuma outra fonte confirmou esta hipóteses. Em cambio, a dona do lugar onde ela trabalhava disse a imprensa local que ela desconhecia o passado de Miriam mas sabia que sempre tinha “problemas” com seu ex marido, um homem de 50 anos chamado Salvador Pucci, quem se encontra em liberdade condicional por ter assassinado a outra mulher.
Germán Bernales, coordenador do Programa Nacional Red Anti-trata de Personas del Centro de Derechos Humanos de Comahue, investiga permanentemente as redes de trata da Patagonia e vem seguindo este caso. Para ele, não se trata de um crime cometido por la trata, já que eles são “impecáveis na hora de matar” e jamais cometeriam a desprolijidade de deixar um corpo semicoberto. “A trata não manda mensagens mafiosas de maneira pública, porque seu objetivo é estar completamente nas sombras. De todas maneiras, não me animo a descartar nada.” O que reconhece Bernales é que as chamadas “redes pampeanas” operam com mulheres paraguaias, que vem ao país pensando que vão trabalhar de uma coisa e terminam presas em prostíbulos, com ameaças constantes e situação de escravidão. “Na zona tem vários grupos operando. Utilizam sempre um mesmo tipo de camioneta, uma Ford Ranger e a pessoa que faz o operativo está identificada. Mas ele segue fazendo sua viagem, tem um contato em Asunción que se ocupa de contatar-los com as mulheres, e quando as convence de vir a trabalhar aqui, as fazem cruzar a fronteira caminhando, as manda a Buenos Aires em um micro e ali as sobem na Ranger para levá-las direto a Choele Choel, que é o centro neurálgico e onde se repartem o resto dos prostíbulos”, explica.
Desde 2007 esta ONG vem seguindo uma rede que, como polvo, eleva seus tentáculos a extratos de poder político e policial. No enredo do “bem” e do “mal” se geram situações insólitas, como um grupo de policiais implicados em escutas telefônicas que logo foram responsáveis que essa mesma investigação ordenou. “Tem tanto poder envolvido que quando me perguntam se as mulheres em situação de escravidão não podem pedir ajuda a um cliente, as explico que nada que entra em um prostíbulo nestas províncias desconhecem a situação, nenhum dos homens que contrata esses serviços é inocente. São mulheres que vivem um pesadelo de ameaças constantes e, no caso de que podem escapar, aonde vão pedir ajuda se a policia está envolvida? No caso de Miriam, o dólar na boca pode ser um intento de desviar a investigação, mas realmente não temos certeza.”
Em qualquer caso, uma mulher assassinada com um dólar na boca, tenha o passado que tenha, é uma mulher que se está exibindo publicamente como uma puta, uma mulher que vende seu corpo, um corpo que se converte em território de violências e que termina na coisificação que habilita o crime. O feminicidio de Miriam Flores vem a indicar não só que a prostituição é um labirinto onde nunca se encontra a saída sem que a misoginia vá unindo suas arestas no ar, com cenários que deixam vulneráveis as mulheres quando não estão sequestradas por uma rede de prostituição: ademais de seu ingresso modesto e de estar envolvida com um homem violento, Miriam Flores não tinha família na Argentina que a busque e vele por ela, que a ajude a escapar de uma relação abusiva se esse era o caso o que lhe deu asilo no caso de não ter onde dormir.
Para Mariana Berlanga, jornalista mexicana, investigadora de feminicidios en América latina, especialmente de Ciudad Juárez opina: “Sempre que aparece uma mulher assassinada primeiro se suspeita que ela era ‘puta’. O dólar que tinha na boca pode ter distintas leituras: uma, que realmente era prostituta; e duas, que seu assassino/s a considerava assim, mas eu me inclino mais pela segunda, com a qual, se o ex-marido tinha antecedentes feminicidas havia que prestar atenção a isto. O fato de ter aparecido em um lugar público e longe pode implicar uma mensagem para outras mulheres, por exemplo, as da rede de prostituição, em caso de que essa versão seja certa.
É um assassinato que tem características similares ao de Ciudad Juárez: as moças eram migrantes, pelo que vejo não gozavam de grande proteção familiar, mas sobretudo, tinham una exibição da violência. Lamentavelmente seguimos assistindo a feminicidios que, espero não sejam este o caso, fiquem na sombra da impunidade”.

Traduzido por Mabel Dias
Fonte: www.pagina12. com.ar | República Argentina

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