quarta-feira, 5 de maio de 2010

Navegando os rios da Amazônia nas ondas do rádio


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É desta forma que a jornalista e radialista, Mara Régia, leva informação, cultura e muita alegria a milhares de pessoas por todo o Brasil. As ondas do rádio chegam aos principais recantos do país, principalmente aqueles onde os direitos essenciais do ser humano, como saneamento básico, ainda não chegaram em pleno século XXI para todas/os as/os brasileiras/os. Com 30 anos de experiência profissional, ela já trabalhou nos principais veículos de comunicação do Brasil, como a Globo e a Bandeirantes, tanto na TV como no rádio, e foi neste último que se encontrou com a sua verdadeira paixão. Esta entrevista foi concedida na Oficina de capacitação em rádios comunitárias, que aconteceu nos dias 24 e 25 de abril, em Recife (PE).

1) Como você começou a gostar de rádio?


Essa paixão parece que sempre esteve presente na minha vida. Na verdade, remonta a época das novelas, na Rádio Nacional, minha avó ouvia assiduamente a novela “O Direito de nascer”, em 1957, 1958, e eu cantava a trilha da novela. Anos mais tarde, lembro que o primeiro “puxão de orelha” que eu recebi de minha mãe e de meu pai foi por ter ido, sozinha, na praça Mauá para conhecer a Rádio Nacional, no Rio de Janeiro. Eu tinha o maior fascínio. E curiosamente, eu nasci no dia 12 de setembro, dia de inauguração da Rádio Nacional. Veja que nada é por acaso, já havia uma certa conspiração. Inclusive no nome, porque meu nome é Mara Régia, e eu já estou navegando os rios da Amazônia nas ondas do rádio há cerca de 20 anos. O pessoal acha que é nome fantasia. Toda vez que chego numa comunidade, as pessoas dizem: “Mara Régia, você é a flor símbolo da nossa Amazônia!”. É muito lindo! Eu amo o rádio.


2) E qual foi o seu primeiro programa no rádio? Como você se sentiu?

O primeiro programa, onde eu fiz a apresentação foi o Viva Maria, mas o primeiro, como produtora, assim que entrei na rádio, foi o Clube do ouvinte, voltado para atendimento às demandas da audiência na Amazônia.


3) E como veio a idéia de fazer um programa voltado para as mulheres e a natureza?

Eu tive uma história pessoal que me fez pensar sobre a condição feminina. Meu pai, infelizmente, quando bebia era muito violento, batia muito na minha mãe. E eu me lembro quando tinha uns oito anos de idade, entre as tantas brigas que presenciei, eu disse “Não, quando eu crescer vou fazer alguma coisa para as mulheres não apanharem mais”, isto já estava plantado no meu coração. Quando eu me casei, no início dos anos 70, fui para a Inglaterra e lá comecei a ficar fascinada pelos programas que tratavam da condição feminina, programas de rádio, de TV.Existia uma consciência, uma rede de solidariedade às mulheres vítimas de violência e foi lá que eu fiz minha estréia como feminista ao participar da primeira manifestação de rua em prol do aborto , pois o parlamento inglês queria mudar isto e aí a gente engrossou as fileiras, dizendo “Não ao Estado, não à Igreja, as mulheres tem o direito de escolher seu destino, as mulheres tem de ser donas de seu corpo”. Ficou a semente. Quando voltei ao Brasil, e me foi dada a oportunidade de trabalhar na rádio, um gerente tinha um espaço na rádio AM de Brasília, ai ele falou: Você não quer fazer um programa, não?!” E eu falei : “Só se for um programa voltado para a condição feminina”. Assim nasceu o “Viva Maria”, que é um programa pioneiro no trato das questões de gênero e na mobilização das mulheres na luta por seus direitos . E desde 1980 estamos no ar, com algumas interrupções . No governo Collor houve uma perseguição política grande na então Radiobrás, e o programa foi retirado do ar da forma mais arbitrária. Em nome da modernidade, já que a luta das mulheres , para a direção da empresa , não fazia sentido . Daí eu fui para a Rádio Capital em Brasília e comecei a fazer, através do rádio, oficinas de capacitação em gênero para mulheres que eram lideranças populares. Por força dessa capacidade de mobilização e resistência do “Viva Maria” , uma homenagem: em 1990, durante um Encontro Feminista, em San Bernardo , Argentina, foi criado o Dia Latino Americano da Imagem da Mulher nos Meios de Comunicação – 14 de setembro- data em que o Viva Maria foi ao ar pela primeira vez .


4) Os programas que você faz atualmente chegam a quais regiões e cidades do Brasil?

O “Natureza Viva” é transmitido aos domingos para os nove estados da Amazônia Legal, do Acre ao Maranhão. Trata-se de uma revista radiofônica com duas horas de duração, das 8h às 10h, voltado para a proteção ambiental. Dentro do programa tem o quadro “Natureza Mulher”, que fala do impacto do meio ambiente no corpo feminino com ênfase na saúde feminina e no uso das plantas e ervas medicinais . Pra isso, contamos com a participação da ginecologista e obstetra, Livia Martins , que é também fitoterapeuta. Além do Natureza Viva, aos sábados , eu produzo e apresento também o “Trilha Animal”. Transmitido pela Rádio Nacional AM, Rádio Nacional Amazônia, Radio Difusora de Macapá e Radio Universidade de Santa Maria, RGS. O programa também é retransmitido pela RDS portuguesa em Lisboa, Portugal. Para ouvir o “Trilha” em podcast pela internet basta entrar no site :www.wspabrasil.com.

Quanto ao Viva Maria”, hoje ele perdeu espaço . Tornou-se uma coluna diária de cinco minutos e é transmitido pelas emissoras da EBC- Empresa Brasil de Comunicação : Rádio Agência, Nacional da Amazônia, Nacional Alto Solimões , Nacional Brasília e Nacional Rio de Janeiro.


5) E como é a repercussão destes programas junto à população destas regiões?

Quem mora nas cidades, nas grandes capitais, se comunica por email. A Nacional tem uma Central do Ouvinte muito concorrido. São centenas de mensagens por dia . Já no interior da Amazônia , a audiência é medida através do volume de cartas. Há meses que elas chegam aos montes, mas a média é de 150 por mês vindas dos mais distantes rincões , onde o Correio nem chega é por isso que cada carta dessas vale por mil .


6) E o que contam estas cartas?

Contam histórias de vida . Compartilham tristezas , alegrias e dúvidas. A maioria sobre saúde . Mas muitas dela também são denúncias. Outras apelam ainda por justiça já que na zona rural da Amazônia ela é ainda mais lenta e inoperante que na cidade.

7) Entre os programas que você apresenta, o “Viva Maria” é voltado para as mulheres. Conta como ele é produzido e como surgiu?

“Viva Maria” é uma revista radiofônica semanal e onde são debatidos assuntos como a legislação que defende a mulher, meio ambiente, saúde e é pautado pelo movimento de mulheres. A jornalista e escritora Sônia Hirsch também participa do programa pra fazer as Marias “meditarem na cozinha” e sobre a qualidade do pão nosso de todo dia. O programa surgiu como te disse antes, através de minhas inquietações sobre a cidadania feminina no Brasil e também pela oportunidade de ocupar um espaço na rádio AM de Brasília .


8) Você é radialista, jornalista e feminista. Sabemos que em nosso meio, infelizmente, o machismo ainda faz parte das redações, do ambiente de trabalho e há muita discriminação em relação às mulheres. Com toda sua experiência, você ainda encontra preconceito por parte dos homens?

Sempre! Há violência de todas as formas: na jornada que nos é imposta, na imagem que a mídia constrói da mulher,na ditadura da beleza,na pouca representatividade das mulheres no poder , nos cargos de chefia etc. Infelizmente, nossa cidadania ainda é pautada por leis que são feitas pelos homens . Isto é muito louco! Temos muito que lutar, como por exemplo, pela implementação da lei Maria da Penha, acusada de ser inconstitucional. Lembrar que ela é uma grande conquista para todas as mulheres no combate a violência. Precisamos lutar também pela ampliação de nossos direitos. Destaque para os direitos das trabalhadoras domésticas, que até hoje não tem Fundo de Garantia, remuneração de horas extras, etc.

9) E como fazer para combater este machismo?

Criar agências de noticias que tragam informações sobre os direitos da mulher, assim como é a ANDI, que cuida dos direitos de crianças e adolescentes, além de investir na capacitação, conscientização dos/as professores/as sobre a política de gênero e colocar em prática os parâmentros curriculares. Sem falar do monitoramento da mídia que, diariamente, veicula mensagens extremamente preconceituosas.


10) Você percebe alguma diferença entre o feminismo lá dos anos 70 para o dos anos 2000?

Sim , a vida não tem replay. O momento histórico que vivemos no Brasil e no mundo é outro. As mulheres continuam em movimento, mas tem nas mãos outras ferramentas para fazer valer seus direitos na lei e na vida!


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