quinta-feira, 30 de abril de 2009

A epidemia do lucro

Por Sílvia Ribeiro
A nova epidemia de “gripe suína” que día a día ameaça expandir-se em mais regiões do mundo, não é um fenômeno isolado. É parte da crise generalizada, e tem suas raízes no sistema de críação industrial de animais, dominado por grandes empresas trasnacionais.
No México, as grandes empresas avícolas e suínas tem proliferado amplamente nas águas (sujas) do Tratado de Livre Comercio da América do Norte. Um exemplo é Granjas Carroll, em Veracruz, propiedade de Smithfield Foods, a maior empresa de críação de porcos e processamento de produtos de porcos no mundo, com filial na América do Norte, Europa e China. Em sua sede de Perote começou faz algumas semanas uma virulenta epidemia de doenças respiratórias que afetou a 60 por cento da população de La Gloria, informado por La Jornada em várias oportunidades, a partir das denúncias dos habitantes do lugar. Há anos levam uma dura luta contra a contaminação da empresa e tem sofrido inclusive repressão das autoridades por suas denúncias. Granjas Carroll declarou que não está relacionada nem é a origem da atual epidemia, alegando que a população tinha uma gripe comum. Por dúvidas, não fizeram análises para saber exatamente de que virus se tratava.
Em contraste, as conclusões do painel Pew Commission on Industrial Farm Animal Production (Comissão Pew sobre produção animal industrial), publicadas em 2008, afirmam que as condiciones de críação e confinamento da produção industrial, sobretudo em porcos, criam um ambiente perfeito para a recombinação de vírus de distintas cepas. Inclusive mencionam o perigo de recombinação da gripe aviaria e da suína e como finalmente pode chegar a recombinar o virus que afetem e sejam transmitidos entre humanos. Mencionam também que por muitas vías, incluindo a contaminação de águas, pode chegar a localidades longiquas, sem aparente contato direto. Um exemplo do que devemos aprender é o surgimento da gripe aviaria. Ver por exemplo o informe de GRAIN que ilustra como a indústria avícola criou a gripe aviaria (http://www.grain.org/).
Mas as respostas oficiais ante a crise atual, são tardias (esperaram que Estados Unidos anunciara primeiro o surgimento do novo vírus, perdendo días valiosos para combater a epidemia), parecem ignorar as causas reais e mais contundentes.
Mais que enviar cepas do vírus para sua sequencia genômica a cientistas como Craig Venter, que tem enriquecido com a privatização da investigação e seus resultados (sequencia n que, por certo, já foi feito por investigadores públicos do Centro de Prevenção de Doenças em Atlanta, Estados Unidos), o que se necessita é entender que este fenômeno vai continuar se repetindo enquanto prossigam os criadores destas doenças.
Já as epidemias, são também trasnacionais as que mais lucram: as empresas biotecnológicas e farmacêuticas que monopolizam as vacinas e os antivirais. O governo anunciou que tinha um milhão de doses de antígenos para atacar a nova cepa de “gripe suína”, mas nunca informou a que custo.
Os únicos antivirais que ainda tem ação contra o novo virus estão patentados na maior parte do mundo e são propiedade de duas grandes empresas farmacêuticas: zanamivir, com nome comercial Relenza, comercializado por GlaxoSmithKline, e oseltamivir, cuja marca comercial é Tamiflu, patentado por Gilead Sciences, licenciado em forma exclusiva a Roche. Glaxo e Roche são a segunda e quarta empresas farmacêuticas a escala mundial e, a igual que com o resto de seus fármacos, as epidemias são suas melhores oportunidades de negocio.
Com gripe aviária, todas elas obtiveram milhões de dólares de ganâncias. Com o anuncio da nova epidemia no México, as ações de Gilead subiram 3 por cento, as da Roche 4 e as de Glaxo 6 por cento, e isto é só o começo.
Outra empresa que persegue este negócio é Baxter, que solicitou mostras do novo virus e anunciou que podia ter a vacina em 13 semanas. Baxter, outra farmacêutica global (em lugar 22), teve um acidente em sua fábrica na Austria em fevereiro deste ano. Enviou um produto contra a gripe na Alemanha, Eslovenia e na República Checa, contaminado com virus de gripe aviaria. Segundo a empresa, foi erro humano e problema no processo, do qual não pode dar detalhes, porque tinha que revelar processos patentados.
Não só necessitamos enfrentar a epidemia da gripe: também a do lucro.
* Investigadora do Grupo ETC

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