sábado, 12 de fevereiro de 2011

O Oriente Médio e Seus Ditadores



Estevam Dedalus*

Andava meio preguiçoso e desinteressado com a matemática, até encontrar números politicamente interessantes: Muamar Kadafi governa a Líbia desde 1969. O Aiatolá Khamenei é o líder supremo iraniano há 21 anos. O falecido, Zayed bin Sultan Al Nahayan, presidiu os Emirados Árabes Unidos por mais de 30 anos. Após sua morte, em 2004, o cargo vitalício passou às mãos do seu filho. Sadam Hussein esteve à frente do Iraque de 1979 a 2003. Provavelmente não fosse a intervenção armada ianque ainda estaria por lá. Já o atual presidente do Egito, Hosni Mubarak, se arrasta há mais 29anos no poder – desde o assassinato de Anwar Al Sadat pelo grupo terrorista Jihad Islâmica Egípcia.


Mubarak é um desses homens empedernidos. Ao longo do tempo sufocou seus opositores diretos através da violência e corrupção de instituições democráticas, impondo barreiras legais ao multipartidarismo e a alternância de governo. Atualmente crises socioeconômicas balançaram o país; o elevado índice de desemprego aliado à inflação estimulou o maior descontentamento da população. Milhares e milhares de pessoas, insatisfeitas com o regime político e às más condições de vida, enfrentam corajosamente nas ruas toda a brutalidade das forças de repressão governamental. Até o dia 10 de fevereiro registraram-se ao menos 151 mortes e milhares de feridos nos confrontos; especula-se que o número de vítimas seja bem maior. Entre elas, feridos com armas de fogo, bombas, gás tóxico, coquetéis molotov, facas, pedaços de pau e pedra, torturados.


As consequências desses protestos podem ser sentidas em várias partes do mundo. Além do já esperado aumento no preço do barril de petróleo, o evento criou uma nova onda de instabilidade numa área marcada por tensões e acendeu a expectativa de que países vizinhos também sejam contagiados por sublevações, alterando a geopolítica da região. Podemos, então, conjecturar que a ideia de efeito dominó ganha força, na medida em que muitos desses países guardam, entre si, semelhanças sociopolíticas importantes. Especialistas relacionam os atuais levantes egípcios à influência dos protestos que ocorreram anteriormente na Tunísia, que ficaram conhecidos como a Revolução de Jasmim.



Como observador distante, fico aqui em casa imaginando o que deve se passar, nesse momento, pela cabeça de “sujeitinhos” como Murabak e Kadafi: será que eles sentem medo? Quem nos garantirá que à noite, entregues à própria consciência, não reconheçam o desastre de seus governos?


Há mais de 40 anos Kadafi é o chefe de Estado da Líbia. Nasceu numa família de beduínos e durante parte da infância flanou como nômade pelas areias do deserto do Saara. Sunita, foi educado sob rígidos preceitos muçulmanos e desenvolveu, logo cedo, grande aversão aos ocidentais – em grande parte, resultado da dominação estrangeira imposta ao seu país. Aos 10 anos de idade foi estudar no colégio da cidade de Sidra; seus pais o achavam um menino muito inteligente e por isso decidiram apostar nos seus estudos. Durante a adolescência acabou influenciado pelos discursos nacionalistas de Gamal Nasser, presidente do Egito e líder do movimento dos Oficiais Livres, responsável pelo golpe de Estado contra o rei Faruk, discursos estes que ele costumava ouvir no rádio. Com apenas 17 anos fundou um grupo secreto revolucionário, de inspiração islâmica e socialista, do qual as células posteriormente se expandiriam para o exército líbio. Estudou história, ciência política e direito na Universidade da Líbia; entrou para o exército e pôs em prática audacioso plano de tomada do poder. Muitos oficiais e soldados aderiram ao movimento; alguns membros da organização ocupavam posições bastante influentes na estrutura das forças armadas. Kadafi tinha acesso a informações governamentais secretas e valiosas. O golpe de Estado aconteceu no dia 01 de setembro de 1969, durante as férias do rei Idris na Turquia. Engenhosamente fez com que pelotões do exército tomassem de assalto o palácio real, ao mesmo tempo em que outros grupos rendiam os quartéis generais. Em seguida, açambarcaria os meios de comunicação pelos quais anunciou ao país o fim do antigo regime.




Talvez os movimentos populares no Egito ultrapassem as fronteiras nacionais, escorram pela Líbia e deságuem em outros países árabes, reescrevendo assim a “hidrografia” política da região. Devemos, no entanto, ficar de olhos bem abertos ao perigo de regressão desse processo. Grupos islâmicos conservadores estão vivos na disputa pelo poder político, o que torna ainda mais dramático o desfecho dos acontecimentos. Infelizmente o que nos resta agora é aguardar os próximos capítulos dessa batalha e torcer por um bom desenlace. O escritor venezuelano Mariano Picón-Salas dizia que "a história é o incalculável impacto das circunstâncias sobre as utopias e os sonhos". Meu desejo é que esse impacto não passe de um carinhoso afago.

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