quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Sexualidade feminina e histeria



No final do século XIX, as concepções de que as mulheres não sentiam prazer ganhou legitimidade nos meios científicos pois eram reafirmadas, fundamentais e justificadas por médicos como Kraftebing, Lombroso e Gugliemo Ferrero. Para esses médicos, na mulher, por natureza, o instinto materno anulava o sexual e a mulher que sentisse desejo ou prazer seria “anormal”. Mas, a ausência de desejo poderia provocar repulsa pelo ato sexual e assim a mulher não teria filhas/os e não sendo mãe, ela estaria exposta a doenças de cunho físico, psíquico e moral. Para esses médicos, a mulher só se realizaria sendo mãe.
Nas últimas décadas do século XIX, pesquisas médicas sobre o comportamento sexual feminino, colocavam em xeque esses pressupostos que definiam a mulher como um ser por natureza assexuado ou anestesiado sexualmente. Foi então que em 1883, um médico escocês, J. Mathews Duncan, divulgava em várias conferências que resultados de pesquisa sobre experiências eróticas femininas apontavam para aspectos que viabilizavam a percepção de que “nas mulheres o desejo e o prazer estão sempre presentes”.
Em 1907, o sexologista alemão Iwan Black divulgava um estudo sobre a vida erótica moderna. Tendo entrevistado “mulheres cultas”, elas teriam dito que tinham muitas vezes até mais prazer que os homens. No Brasil, alguns médicos reconheciam a existência de prazer e desejo nas mulheres, mas deixavam passar como se elas não manifestassem nenhum orgasmo. Para os médicos, a ausência ou a precariedade da vida sexual poderiam resultar em conseqüências “funestas” para as mulheres: como o hábito da masturbação – causadora de esterilidade, aborto – ou adultério.
Como a ausência de vida sexual, os excedentes ou “perversões” na realização do desejo e do prazer conduziriam as mulheres a problemas físico, mental e moral. A sexualidade feminina que ficar circunscrita ao leito conjugal e nos estreitos limites entre o excesso e a falta. O gozo no ato sexual seria substituído pelo gozo através da amamentação.
Reconhecendo ou negando a existência do desejo e do prazer na mulher, os alienistas estabeleciam uma íntima ligação entre as perturbações psíquicas e os distúrbios da sexualidade em quase todos os tipos de doença mental. Entre as doenças mentais mais destacadas estavam a histeria e a hipocondria.
Sendo punidas quando expressavam sua sexualidade, sendo glorificadas apenas como mães, as mulheres eram ligadas a histeria devido ao seu corpo ‘frágil, flácido”, mais do que o corpo masculino. A histeria em sua essência seria uma doença feminina para os médicos daquela época. Para os antigos, “o mal histérico seria provocado pelas manifestações de um útero que agiria como um animal, oculto, no interior do organismo.”
Os alienistas brasileiros faziam uma associação entre a histeria e o ser feminino. O médico Rodrigo José defendeu em 1838 a primeira tese na faculdade de medicina do Rio de Janeiro, definindo a histeria “como uma moléstia de que o útero é a sede.” Seria um distúrbio ligado à sexualidade. Os ataques histéricos apareciam na mulher no período entre a puberdade e a menopausa, ou seja, no início e no fim da vida sexual. Em seu estudo sobre histerismo, o médico Cordeiro, o definia como “uma neurose dos órgãos genitais da mulher” estabelecendo uma associação entre histeria, útero e mulher. Os ataques histéricos coincidiam com a proximidade da época da menstruação, segundo o médico José Gonçalves.
Havia uma verdadeira confusão e desconhecimento do corpo feminino e das causas das doenças mentais. Se por outro lado existiam médicos que questionavam estas opressões cientificas sobre as mulheres, a grande maioria as condenava a ignorância de seu corpo a hospícios.
As conquistas e sofisticações da psiquiatria na passagem do século XIX para o XX, não questionou a associação entre mulher e histeria, aprofundaram-na dando-lhe o aspecto de verdade cientifica. Ainda por muito tempo, as palavras do psiquiatra francês Ulysse Trélat, continuariam a ecoar dentro e fora do mundo acadêmico e cientifico: “Toda mulher é feita para sentir e sentir é quase histeria.” As mulheres segundo o Pinel ficavam loucas irrecuperáveis com o seu exercício inadequado da sexualidade, devassidão, propensão ao onanismo e homossexualidade.

Texto baseado no de Magali Engel, retirado do livro “A História das Mulheres no Brasil”.

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